quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Tríade - Parte II

O caso de 'Cópia Fiel' é um pouco parecido com o de 'A Falta que nos Move', tirando a diferença de apenas 1 ano. Foi no Festival do Rio do ano passado que eu tive contato com a mais nova obra-prima de Abbas Kiarostami pela primeira vez. As credenciais eram as melhores: burburinho alto e forte em Cannes, prêmio de atriz para a estupenda Juliette Binoche, revolta de muitos que clamavam a própria Palma de Ouro para ele. Daí o filme, que já era o mais esperado da Croisette para mim, passou a mais esperado do Festival e do ano. A sessão dele foi programada junto com a de 'Tio Boonmee, que pode Recordar suas Vidas Passadas', ele mesmo o próprio vencedor em solo francês. Era de fato o dia mais esperado do Festival do Rio, na minha opinião.

Resultado? Pobre Apichatpong... por mais que eu tenha gostado do lirismo tailandês para as divagações sobre as muitas vidas além da vida do tio moribundo, Kiarostami me destruiu inteiro. Um ano depois, ainda não me recompus. E foi exatamente pós-'Cópia Fiel' é que me liguei o quão esse cineastas é um dos melhores artesãos da atualidade, com um currículo invejável para qualquer um no mundo ocidental.

'Dez', 'Onde Fica a Casa do meu Amigo?', 'Gosto de Cereja', 'Através das Oliveiras'... essas são apenas algumas das inúmeras produções onde o cineasta abordou sua própria liberdade de expressão num país onde sabemos que isso não é uma prioridade. Ao lado de nomes como os de Mohsen Mahkmalbaf, Jafar Panahi e Majid Majidi, construiu uma base muito sólida e marcante acerca de uma cultura que ainda hoje não conseguiu se libertar. A visão de Kiarostami e seus conterrâneos sempre nos deu a impressão de que talento não faltava àquela parte do mundo, e apenas a censura imposta a eles poderia calar suas vozes talentosas.

Pois Kiarostami consegue em 'Cópia Fiel' ampliar sua visão para além do Irã e mostrar, ao mesmo tempo, como cada lugar do mundo é parecido sob um ou outro aspecto. A discussão sobre vida e arte aqui reverbera para muito além de seu país natal e da Itália mostrada na produção. É uma viagem abrangente e paradoxalmente muito íntima, onde um homem e uma mulher se encontram e mostram suas imagens e também o reflexo delas, através do tempo. Cópias do que um dia foram, originais do que são hoje.

Como na arte, Kiarostami compreende que a mensagem que chega até nós é mais importante que a aparência que a mesma tem. Seja ela falsa ou verdadeira, o poder de transformação quando nos toca não é o mesmo? A discussão é colocada a prova conforme o brilhante texto do autor sai de uma intéprete do porte de Binoche, que transforma todas as ondulações do filme em verdade pura. Através dela e de Kiarostami, a arte ganha vida, mesmo quando tudo é apenas uma pálida recriação de algo que não existe mais.

Candidato ao posto de primeira obra-prima da nova década, 'Cópia Fiel' encanta e extasia tanto quanto faz pensar, dividindo com 'A Árvore da Vida' o título de mais reflexivo filme da temporada. Ou a obra de Terrence Malick ultrapassa todas as barreiras filosóficas e artísticas que 2011 ousasse alcançar?

Nenhum comentário:

Postar um comentário