sábado, 8 de outubro de 2011

Enid no Festival do Rio 2011 - Dia 1:

Caos, violência e barbárie. Tudo isso estava na minha cabeça, e fora dela. Tentar pegar a credencial foi o inferno na Terra, e mais: não consegui. Sim, meu primeiro dia de Festival foi liso, leso e louco. E puto. Bem, a promessa de que no dia seguinte tudo estaria tranquilo me deixou calmo... e eu não podia perder mais filmes do que já tinha perdido. Após 5 horas de espera na Sede do Festival, parti para os filmes. Os que sobraram, ao menos.

* Martha Marcy May Marlene:


Nem eu, que sou acusado de ser condescendente com os filmes, esperava tanto dessa obra. Estreia do diretor e roteirista Sean Durkin em ambos os ofícios, se preparem para ver algo de abordagem singular, que transforma que tudo foi chamado de 'indie', 'denso' e 'difícil' de uns tempos para cá em 'Sessão da Tarde'. Com uma linguagem que nunca é direta e de complicada aproximação com o público, o filme escolhe todos os caminhos mais difíceis para contar a história de uma garota, que quer ser outras para não ser nenhuma. Inquietação talvez seja uma das palavras de ordem da sociedade atual; quando se junta à inadequação, ficamos diante de uma bomba-relógio embalada em fanatismo pseudo-religioso.

Martha há mais de 2 anos desapareceu sem dar satisfação a ninguém, deixando seu único laço familiar (a irmã, hoje casada) sem qualquer notícia. Durante esse período, temos a informação de que ela se juntou a um grupo que se julga uma seita religiosa, comandados por um homem chamado Patrick. No fundo, é uma sociedade alternativa onde tudo e todos (sim!) são divididos, literalmente. Sem maiores focos em doutrinas e mais ligado à cultura primitiva onde vivem, Marcy May viu e fez muita coisa por lá. Mas Marcy May chegou ao limite e reaparece para a irmã, voltando a ser Martha. O reencontro dessas duas mulheres, o passado desconhecido (para todos) de uma delas e o retorno de uma pessoa a um chamado 'seio familiar' é o que move o filme.

Mas não espere respostas fáceis a nenhuma pergunta aqui; inclusive algumas ficam sem qualquer resposta. Também não espere um desenvolvimento fácil e envolvente. O filme praticamente repele qualquer contato, exatamente como sua protagonista. Muito pelo risco que Durkin resolveu correr com algo muito brutal e repleto de lacunas, aliado a interpretação intensa e extremamente instrospectiva de Elizabeth Olsen (quem diria, irmã muito mais talentosa das assombrosas gêmeas Olsen), é que temos um material profundamente diferenciado, que literalmente irá desagradar a muitos, mas cujo encanto sombrio é fácil de detectar.


NOTA: A-

* Terraferma:



Se eu pudesse entrevistar Emanuele Crialese (que está rodando aqui no Festival do Rio), eu perguntaria primeiramente a ele porque o mar é uma presença tão marcante em seus filmes. Chegando a sua quarta produção, é a terceira vez onde muito do que vimos na tela tem a benção do oceano, geralmente com imagens subaquáticas quase sempre metafóricas e de riqueza poética muito grande. Aqui, como em 'Respiro', o foco é uma família ligada a pesca; como em 'Novo Mundo', temos a imigração como mola mestra. Unindo os filmes, Crialese chega a essa obra híbrida, mais uma vez dotada de grande força estética, com uma fotografia excepcional (a abertura, particularmente, é um achado) e um elenco que corresponde bem a força de sua trama.

Como dito, o filme acompanha uma família, que já perdeu um de seus integrantes. Assim vemos a viúva Giulietta, seu filho Filippo e o sogro Ernesto, que moram próximos a Nino, outro filho de Ernesto. Avô e neto vivem da pesca na região da costa siciliana, enquanto o filho vive do comércio entre turistas que chegam a paradisíaca ilha onde vivem. Um dia durante uma pesca, avô e neto resgatam imigrantes naufragados (e que o governo de Berlusconi enxota fragorosamente do país, uma das grandes polêmicas italianas da atualidade), e com isso viram párias na cidade. Só que eles não revelam a ninguém que nem todos os imigrantes fugiram pela cidade, e que estão acobertando a estadia de uma mulher que acaba de parir na garagem de sua casa. A relação de todos com essa mulher e seu bebê, e de como a própria Itália vem se comportando diante dessa situação com os nigerianos, é o foco de Crialese.

Com um roteiro que namora explicitamente com o dramalhão, Crialese não conseguiu extrair de seu texto a força que suas imagens tem. Sorte a dele ter ao seu lado também uma atriz do nível de Donatella Finocchiaro, belissíma e cheia de veracidade nos olhos. Como tem talento de sobra como diretor, Crialese faz mais um filme que poderia ser inesquecível, mas que acaba se valendo de outros fatores para ser relevante.


NOTA: B-

* Histórias que só Existem quando Lembradas:


Outra estreante do dia, embora aqui o cinema deva ter sido o ar que a pequena Julia respirava. Filha da mais que consagrada cineasta Lucia Murat, a pequena Julia cresceu e, após os documentário e um curta, estreia na direção de longas com uma pequena joia. Com um poder de criar imagens extraordinárias e manter uma história interessante mesmo repetindo-a à exaustão, Julia pegou um fipo de roteiro e transformou em grande cinema, com a benção da mãe (que é produtora) e a ajuda fotográfica do latino Lucio Bonelli, que extrai só poesia em imagens. 

Como eu disse, a trama é quase nada: um vilarejo com menos de 10 (DEZ!) moradores vive uma rotina diária implacável, onde situações e diálogos se repetem diariamente, num ambiente monocórdio e implacável. A chegada da jovem fotógrafa Rita vai mudar a vida de cada uma dessas pessoas, em particular a de de Madalena, a "padeira oficial" da região. A relação entre Madalena, uma solitária viúva, e Antonio, o dono da venda local, nunca mais será a mesma.

Com o impulso de um tema que é caro a muitos jovens cineastas no mundo (o moto perpétuo que é a vida de todos nós, num repetir sem fim de situações), mas sem inveredar pelo óbvio caminho da ficção científica que está fazendo despontar (entre outros) o nome de Duncan Jones, Julia capta a beleza de um lugar esquecido por todos, inclusive pelos próprios moradores. Com força dramática sem igual, uma acertada escolha de luz e posicionamento de câmera, Julia está praticamente pronta. Da próxima vez, só precisa aguçar seu faro em diálogos que chegam próximo do piegas, e confiar mais em seu elenco, que ela explora pouco (mas Sonia Guedes corresponde brilhantemente). De resto, bem-vinda ao cinema, Julia... pode entrar pela porta da frente.


NOTA: A-

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