sábado, 1 de outubro de 2011

A Voz de Enid: 'Família Vende Tudo'

Alain Fresnot é muito menos presente na cinematografia nacional do que se poderia imaginar. Tendo dirigido apenas um filme por década, desde os anos 70, após assistir 'Família Vende Tudo', não podemos ficar mais felizes por apenas daqui há pelo menos 10 anos voltarmos a assistir um novo filme do cineasta. Não por ele ser reconhecidamente ruim; filmes como 'Ed Mort', 'Lua Cheia' e 'Desmundo' não saõ descartáveis, muito menos observações sem empenho de linguagem cinematográfica. O alívio se faz obrigatório por não saber em que diabos estava sua cabeça quando decidiu levar adiante as filmagens desse roteiro de sua autoria, tão desprovido de qualidades, ambições ou propósitos.

Minto, e retiro o que eu disse: ambição alguma deve haver. E acho que podemos até perceber que ele queria dizer algo com essa produção, que não apenas ser um debochado. Ao vermos o humor com que ele abordou a obra de Luiz Fernando Veríssimo, por exemplo, sacamos como havia timing cômico lá, e não deixa de ser surpreendente que um dos maiores problemas desse novo filme seja a absoluta falta de timing e bom senso, em cada fotograma. Assistir a 'Família Vende Tudo', pra mim, foi como esticar durante 85 minutos uma das cenas mais pavorosas e vergonhosas do cinema nacional pra mim, que aconteceu em 'Orfeu' num relato sobre o assassinato do pai de Eurídice feito pela própria Patricia França que a interpretava (mal e porcamente, diga-se).

Óbvio, não é apenas falta do 'tempo de comédia' que nota-se na produção. O fato é que me sinto realmente mal em analisar o filme, já que eu vejo erro em tudo que lembro, e paradoxalmente tenho a mais absoluta certeza que Fresnot queria dizer algo com o filme que ficou nas entrelinhas, mesmo que muito pequenas. Ainda assim, olho e lembro o que vi... algo ali não era a toa. Mas realmente, não dá pra aturar uma comédia sem graça, acima de tudo.

A trama por si só já é de uma tristeza sem fim: uma família de muambeiros perde tudo que tinha na ponte que separa Brasil e Paraguai, durante uma apreensão policial. No Brasil, o filho mais velho também é vítima da polícia, que leva todas as mercadorias que eram vendidas informalmente. Diante das ameaças do vizinho que emprestou dinheiro a eles para a viagem, não veem outra saída que não vender sexualmente a filha para o cantor do momento, um cara mais que mulherengo (apesar de casado) e que é o rei de um ritmo criado para o filme chamado 'xique'. A partir da noite de amor dos 'pombinhos', é que se desenrola o resto do roteiro de quinta.

Dá pena de falar mal, porque Caco Ciocler dá um show como o cantor Ivan Carlos (e as tais músicas do cara, de tão inacreditáveis, sejam talvez as únicas coisas engraçadas do filme),  porque Lima Duarte e Vera Holtz são igualmente excelentes, porque o rapaz Robson Nunes é uma grata revelação; enfim, elenco o filme tem, e eles não estão brincando em serviço. Mas o filme, além dos cortes abruptos, da montagem infeliz, da fotografia de José Roberto Eliezer que parece ter deixado a qualidade bem longe (cadê o responsável pela luz de 'Encarnação do Demônio', 'Luz nas Trevas', 'Nina' e 'O Cheiro do Ralo'?), também tem situações inexplicáveis, como um menino de 8 anos que é marginal, uma cega que aparece em uma cena e nada mais, Marisa Orth se dizendo pastora evangélica, nudez gratuita de uma menina de menos de 20 anos na frente de toda a família, um incêndio numa mansão que é ignorado, uma empresária homossexual e que assedia a esposa do cliente. Tudo tão gratuitamente absurdo, que eu só posso crer ter sido proposital. O problema: isso tudo poderia ser de fato engraçado em outras mãos; aqui não é.


NOTA: E+

Nenhum comentário:

Postar um comentário