sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Enid no Festival do Rio 2011 - Dia 7:

Dia de cinema nacional. Dia de grandes filmes do cinema nacional. Dois deles irão estrear mês que veme ajudam a salvar um dos anos mais capengas do nosso cinema ao que me lembre. Dois grandes filmes, e um pequeno filme muito diferente ajudaram meu Festival a subir de nível. São eles:

* O Palhaço:


Quatro anos depois mobilizar a temporada com o melhor filme nacional do ano logo em sua estreia como diretor ('Feliz Natal'; um filmaço pouquíssimo visto que merece toda a atenção), Selton Mello mostra que não está pra brincadeira na nova cadeira de diretor e entrega um filme que talvez seja ainda mais maduro que sua estreia. Ciente de suas aptidões, Mello está sempre crescendo como ator, e esse ano resolveu mostrar um outro lado como realizador, mais afável e próximo ao grande público, não por isso diminuído em força dramática e identidade visual. 'O Palhaço' é (mais uma vez, hein Selton...) um dos grandes filmes nacionais do ano, e do Festival com muitas sobras.

Acompanhamos as desventuras da trupe do circo Esperança (como o Bar, do filme homônimo dos anos 80), um desses modestos espetáculos mambembes que viajam o Brasil há muitas décadas (e que Mello resolveu situar nos anos 80). Os donos são Benjamin e seu pai, no palco Pangaré e Puro Sangue, uma dupla de palhaços cuja versão mais jovem está em crise. Literalmente em busca de identidade, Benjamin não se encontra mais naquele ambiente onde cresceu e crê ter perdido a graça, embora no palco isso não se reflita. Prestes a abandonar o 'negócio de família', Benjamin e equipe passeiam pelo interior do Brasil (tal qual o clássico de Cacá Diegues, 'Bye Bye Brasil') levando diversão ligeira as comunidades menos abastadas.

Uma arte que está morrendo, grita o filme a todo tempo através das lentes de Adrian Teijido (aliás, a parte técnica do filme é inteira um desbunde). Com pressa o tempo todo, Mello conseguiu fazer um filme enxuto (tem apenas 80 minutos) e juntar o melhor da arte cômica no país de ontem hoje, em participações afetivas deliciosas e derramadas de talento. José Loredo, Ferrugem, Fabiana Karla, Moacyr Franco (simplesmente extraordinário), se juntam a um dos  elencos mais homogêneos de 2011, no qual brilham Paulo José, Alamo Facó, Erom Cordeiro, Teuda Bara, e muitos outros. Não percam essa divertida homenagem ao mundo da arte, que fazemos ou amamos. E mais uma vez, obrigado Selton.


NOTA: A+

* Corações Sujos:


 
Incrível como Vicente Amorim é um cineasta em evolução (aliás, como deveriam ser todos né?). Depois do delicado 'Caminho dos Sonhos' e do histórico 'Um Homem Bom', Amorim junta as duas coisas numa das produções mais interessantes do ano. Confesso que meu queixo caiu; não sei porque nutria uma implicância sem sentido pelo filme. Mas me peguei emocionadoem diversas cenas, e maravilhado em tantas outras. Nível técnico internacional e um roteiro quase perfeito, aliados a uma direção cheia de brilho, elevam o filme como outro dos melhores nacionais do ano.

A trama, que a princípio teria pouco a ver com nossa realidade, mostra uma comunidade japonesa observada logo no fim da Segunda Guerra Mundial. Sem acreditar na derrota do Japão (que consideram imbatível) um grupo de homens de uma aldeia de imigrantes decide partir para a ofensiva contra o próprio povo que difunde a derrota da pátria-mãe. Sem pensar nas consequências, um general dele reúne um 'exército' nessa vila e os transforma em carrascos, executando cada japonês considerado 'traidor', e que assim o são unicamente por acreditar na derrota (que era noticiada em rádio e jornal).

O único defeito do filme vem roteiro que deixa os poucos brasileiros mostrados no filme muito ao longe do banho de sangue que os japoneses promovem entre si, sumindo da produção e deixando um vácuo na trama. Tirando isso (e um tique do diretor Amorim em insistir num mesmo efeito fotográfio), a luz do filme é simplesmente impressionante, a trilha é das melhores coisas produzidas esse ano no Brasil, e o elenco japonês reunido é nunca menos que excelente. Ou seja, mais um grande filme com a nossa grife.


NOTA: A-

* Sudoeste:


Eduardo Nunes, não sei se te agradeço ou se bato na tua cabeça. Como se preparar para sua estreia na direção? Alguns comparam o filme a um parente de 'Lavoura Arcaica'; talvez a presença de Simone Spoladore em ambos ajude isso a acontecer. Ou será que o aspecto de 'estranho no ninho' das duas produções apenas faça todo o trabalho. Eu particularmente não achei muitas semelhanças, além da qualidade de ambos. Mas é fato que 'Sudoeste' precisa de outro tempo para ser analisado, e não apenas 2 dias. Aqui estou eu, falando do filme, o revendo na memória... e nesse momento, tenho um belíssimo filme nacional na minha frente. Mas sem chegar perto da perfeição.

O filme acompanha um dia na vida de Clarice. Ou melhor, o dia da vida de Clarice. O único. Explico: Clarice é um fenômeno. Junto com o publico, aos poucos percebe que o dia do seu nascimento é também o dia da sua infância, o dia de sua juventude, o dia da sua gravidez, o dia da sua velhice, o dia de sua morte. Tudo num único dia, extraordinário dia. Junto com ela também, observamos a perplexidade dos que a veem como algo diferente e poético. Talvez os olhos das pessoas que passam por Clarice sejam os mesmos olhos do público que analisa 'Sudoeste': sem perceber tudo que está na sua frente, mas literalmente inebriado com tamanho encanto.

Mauro Pinheiro Jr. tinha que ser canonizado ainda nessa edição do Festival. Após arrebatar meio mundo com as imagens de 'Abismo Prateado', agora vem com essa aula de luz e técnica sob a batuta de Nunes, que estreia de maneira corajosa e arrebatadora. O ritmo lento ao extremo, a poesia que praticamente não dá vazão a um roteiro, e as interpretações quase contemplativas ajudam a estranheza do todo, mas uma coisa é certa: a coragem de Eduardo Nunes é do tamanho do mundo, e somente ela já bastaria para aplaudirmos esse projeto diferente e excepcional.


NOTA: B+

* A Hora e a Vez de Augusto Matraga:


Vinicius Coimbra é mais um cineasta oriundo da TV Globo a alcançar os cinemas. Já começa marcando pontos por não escolher comédias enlatadas para tentar mostrar serviço. Pelo contrário, vai numa das fontes mais difíceis de prosa para dar vazão às suas intenções iniciais como realizador de cinema; Guimarães Rosa foi um gênio, porém não é fácil nem aos iniciados, imagina a um estreante que escolheu se manter fiel a linguagem do autor. Se não consegue imprimir tão apurado capricho cinematográfico quanto seus colegas na competição da Premiére Brasil, tampouco pode ser livre de elogios pela escalação de elenco primorosa, pela escolha da obra em si e por cooptar alguém tão capaz quanto Lula Carvalho para iluminar seu longa.

Na tela, Augusto Matraga é uma espécie de bandoleiro do sertão nordestino que cai em emboscada organizado pelo Major Consilva e cai (literalmente) em desgraça, sendo arremessado em um desfiladeiro e dado como morto. Sua esposa vai viver com um galante cortês, e a região que era sua passa a ser vilanizada pelo tal Major. Mas Augusto não morreu, e seu corpo é resgatado por um casal que o protege e cuida dele por muitos anos, até a chegada de Joãozinho Bem-Bem pelo lugarejo onde vivem. De fama (e folha) corrida repleta de crimes, Bem-Bem é tratado como um deus pelo novo Augusto, hoje um homem ligado a religião e distante do universo do crime. Mas a influência desse grupo poderá ser fatal para a recuperação espiritual de Augusto, e a tentação de consertar o passado fica cada vez mais forte.

Apesar de toda a maravilhosa prosa de Rosa e do estupendo elenco (o que dizer de um grupo de atores que junta João Miguel, Irandhir Costa, José Wilker e Chico Anysio em desempenhos espetaculares?), falta uma forma mais trabalhada ao filme. Com uma montagem apenas eficiente, o filme parece não ter ficado totalmente pronto ainda, e precisar ainda ser burilado tecnicamente. O projeto é ótimo e Coimbra conseguiu todas as armas eficazes para sua estreia, só parece que no fim das contas o filme é exatamente isso: uma estreia. De muita qualidade, mas uma estreia.


NOTA: B-

* Espiral:


Paulo Pons apareceu na minha frente a primeira vez há alguns anos atrás, com um filmaço chamado 'Vingança'. Filmando um thriller que tinha tudo para ser banal e comum, Pons deu tons brasileiros e uma cara toda particular ao filme, sendo uma bem-vinda lufada no cinema de gênero que pouquíssimo é feito no país (e com qualidade sempre abaixo da duvidosa). Finalmente vemos Pons de volta a tela, e se o resultado fica longe do impacto de sua estreia, ninguém pode negar como o diretor sem empenhou em realizar um filme o mais interessante possível, inclusive tecnicamente.

Será que consigo montar uma sinopse aqui dele? Bem, quase impossível... mas vamos a uma pincelada, que seja: o filme mostra 7 estranhos que se encontram numa mansão, e chegam pouco a pouco. João, Joana, Maria, Ana, Marcos, Zeca e Clarice não se conhecem e não sabem porque foram parar ali; os diálogos entre eles parece que não mudam muito essa situação, e aos poucos a situação vai ficando cada vez mais absurda. Até que um corpo surge na casa. Quem é aquele homem? Quem são essas 7 pessoas? O que todos fazem ali, e qual a relação entre eles?

As inspirações parecem ter sido muitas, e de cara identificamos o Buñuel de 'O Anjo Exterminador'; mais tarde, com todas as revelações na mesa, um importante autor vem a tona, de forma bem explícita (mas que deixaremos aqui sem citação, por conta do gigantesco spoiler que seria). De qualquer forma, o filme ainda lembra 'Timecode', filme onde Mike Figgis há mais de uma década já imaginava várias situações acontecendo ao mesmo tempo, recortando a tela para tal em até 4 partes. É bacana? É. Instigante? Sem dúvida. Mas precisaria de mais azeite e diálogos um pouco melhores para chegar a um resultado superior. No elenco, o destaque para Nelson Freitas e João Sabiá, os únicos repletos da naturalidade que o filme exigia. Independente de qualquer que seja a análise final, o bom é perceber que Pons não dormiu em serviço e revirou as expectativas que tínhamos com ele, tentando mais uma vez remar contra a maré num ambiente cada vez mais viciado quanto o cinema.


NOTA: C+

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