segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Enid no Festival do Rio 2011- Dia 3:

Um dia lotado de filmes, essa é a conclusão. Rodei muitos pontos da cidade, quase tudo rapidamente... ainda bem! O Festival começa a entrar na rotina, e eu começo a acostumar a ver filmes bons, e isso é mal sinal... é nesse momento que os ruins começam a aparecer, o que já foi o caso. De qualquer forma, vamos aos analisados mais recentes:

* Um Método Perigoso:



Eu não esperava algo muito diferente desse novo filme de David Cronenberg. Infelizmente, vi todos os meus medos (e minhas acertada torcida particular) se transformar em realidade. O brilhante roteiro de Christopher Hampton (de Ligações Perigosas e Desejo e Reparação) explora a rivalidade e o talento conjunto de Carl Jung e Sigmund Freud (respectivamente, Michael Fassbender e Viggo Mortensen, em momentos especiais de suas carreiras). Desde o primeiro encontro, vemos a faísca de genialidade dos 2 papas da psicanálise, ao tentar unir uas ideias a partir do encontro de Jung com Sabina Spilrein (Keira Knightley). Ela é uma paciente no limite da loucura real, que aos poucos é curada pelo 'sistema da fala', que ambos aplicavam e difundiram. Com a cura de Sabina, Jung vai se enrendando num jogo de sedução com a mesma, e quando se dá conta, ambos já são marionetes de uma história regada a muita perversão e fantasias sexuais exacerbadas. E assim como foi a moeda que aproxima os dois homens, é também Sabina o pomo da discórdia que faria ambos se afastarem definitivamente.

Não se sabe porque Cronenberg não honra o roteiro de Hampton, mas o fato é que sua direção poucas vezes esteve tão burocrática e banal. Deixando a dupla Fassbender/Mortensen brilhar com intensidade através de um texto afiado, Cronenberg também erra ao deixar Knightley livre para cometer toda a sorte de excessos, e assim comprometer os primeiros 20 minutos do longa com suas caras, bocas, olhos, bochechas e feições, exacerbadíssimas num exercício de 'overacting' poucas vezes visto ultimamente. Com a suavidade que a personagem ganha, a atriz acaba seguindo e terminando o filme um pouco menos suja. De qualquer forma, nunca chega aos pés dos protagonistas masculinos (e mesmo de Vincent Cassell, em participação saborosa) e de um texto que merecia muito de seu realizador. 


NOTA: B- 

* Tiranossauro:

  
Achei diversas fotos da produção de 'Tiranossauro', mas ao dar de cara com a dupla de protagonistas do filme, mais o diretor com essas de felicidade insana não resisti. E não podia ser mais merecido tanta alegria: o filme é um exagero de bom. Em sua estreia na direção de longa metragem, Paddy Considine (o incrível ator de 'Terra de Sonhos') escreveu também ele um roteiro que seria um presente para qualquer dupla de atores. Só que resolveu chamar simplesmente os melhores: Peter Mulan e Olivia Colman, nunca menos que extraordinários cena a cena, dão status de obra-prima a um pequeno grande filme britânico. 

Joseph é um desses desvalidos britânicos que já viram e passaram de tudo, principalmente no que diz respeito à violência. Viúvo, cansado, prestes a perder todos que ama com a morte iminente do melhor amigo, o cara esbarra com Hannah, a dona de uma modesta loja de roupas usadas. Com aparência tranquila e com a religião muito enraizada, a moça esconde uma realidade de agressões constantes pelas mãos do marido alcóolatra. Esse encontro ao mesmo tempo que joga luz na vida de ambos, deixa claro como eles tem valores diferentes, e vivem em mundos quase opostos. A saída será organizar uma nova realidade alternativa, onde Joseph se transforme e Hannah se rebele. Mas será que eles estarão dispostos a jogar tudo para o alto, e encarar um futuro completamente novo e desconhecido?

A resposta vem através da doçura com que Colman imprime na sua personagem, e na fúria latente que Mulan mais uma vez demonstra. Dupla sem igual que transforma o filme a cada novo lance, Considine faz o básico da cartilha e os filme com coragem e elegância, na vibe da 'típica produção sobre os ferrados da periferia de Londres', como Ken Loach tão bem sabe fazer. O resultado é um filmaço imperdível, um exercício de atores magistral.

NOTA: B+

* Saudações ao Diabo:

  
Com um início explosivo e promissor, o filme de Juan Felipe Orozco vai se perdendo num roteiro cada vez mais confuso e preguiçoso, que prefere esconder fatos e deixa-los sem explicação ao criar mais humanidade aos personagens. No fim das contas, todos parecem vilões exagerados na linha de 'Machete', quando a proposta do filme era visivelmente ter uma linha mais próxima a realidade, já que inclusive fala sobre a ditadura colombiana. 

O protagonista Angel (Edgar Ramirez, cada vez melhor) é um ex-guerrilheiro que hoje vive disfarçado e na surdina, vendo a filha crescer de longe porém sendo muito ligado a ela. Quando ambos são sequestrados, um homem de seu passado diz que irá esquartejar sua filha caso ele não mate um a um os seus antigos cumplices da quadrilha, que no passado foram responsáveis por colocar o tal homem numa cadeira de rodas. Quando parte à ação, Angel se dá conta de que sua consciência não está tranquila, e é testemunha da explosão de sangue que irá desencadear, inclusive no seio da polícia colombiana. 

Com uma edição interessante e o protagonista mais que acertado, o filme prende a atenção do início ao fim, mas se pretendia ser mais que um 'Supercine' de sábado a noite, Orozco deveria ter burilado mais o roteiro de seu irmão, e aí talvez conseguisse criar mais do que um festival da marginália latina exagerada.


NOTA: C-

* Triângulo Amoroso: 

  
Não queria colocar cartazes aqui, mas não achei nada tão interessante quanto essa colagem de cenas que fizeram na versão oriental do filme novo de Tom Tykwer, o cara que nos impressionou tanto em 'Corra Lola Corra', 'WinterSleepers' e 'Paraíso', que conseguimos esquecer suas pavorosas incursões hollywoodianas ('Perfume' e 'Trama Internacional'). Aqui, ele volta ao seu universo e habitat natural, com direção impressionante, sua habitual assinatura de linguagem, e uma trama fácil e digerível, que funciona que é uma beleza. 

Hanna é médica e Simon é dono de uma construtora de objetos de arte, que estão juntos há 20 anos e muita água já se passou sob essa ponte. Um 'casamento' de 20 anos, imagino que quem já viveu saiba como funciona: mais amizade que tesão, mais carinho que paixão, mais compreensão que arrebatamento. Funcionando nessa cartilha, a história desse casal segue tranquila até Hanna conhecer Adam, um outro médico e sente uma espécie de atração. Simon acaba de perder a mãe e descobre que também herdou dela um câncer. Após ter uma única noite de amor com Adam, Hanna observa que não vê o marido mais da mesma forma, enquanto Simon também começa a se afastar, quando observa que a vida tem muito mais a oferecer ao abrir sua cabeça para um mundo novo e desconhecido. 

Apesar do foco principal estar em todas as sinopses, achei bacana ao menos eu manter a aura de mistério do filme para meus leitores. Longe da estreia, Tykwer se deixa levar por algumas situações fáceis (o câncer da mãe, e sua eventual 'tranformação em anjo'), mas o filme dialoga muito bem com o público e envolve. Com um trio de protagonistas bem interessante, o alemão demonstra ter feito as escolhas certas ao voltar para casa. Lá nas bandas dele, ele demonstra que sua câmera continua esperta e pop. 


NOTA: B-

* Mãe e Filha: 

  
Outro novo interessantíssimo filme nacional (que encontra bastante parelelos com 'Histórias que só Existem quando Lembradas'), o filme é apenas o segundo de Petrus Cariry, mas já demonstra que o rapaz de 33 anos sabe o que quer. Natural do Ceará e com uma filmografia que deverá se enraizar por lá por conta de suas declarações, o filho do também cineasta Rosemberg Cariry conquista facilmente com sua lente apurada e suas imagens simplesmente arrebatadoras, numa história simples que já saiu vencedora do Festival do Ceará desse ano (e somente por isso eu não entendo sua competição aqui no Rio). Em matéria de qualidade, os motivos sobram.

A história de uma filha afastada pela cidade grande que vai ao encontro da mãe diante da morte de seu filho recém nascido é cheia de símbolos e significados, e tem tudo pra ser um dos grandes filmes do ano. Com o ar do sertão a vitaminar uma narrativa de silêncios e poucos diálogos, o filme é um experiência para poucos e deve ser encarado como o filme contemplativo que escolheu ser. Portanto, passe longe se você não tem paciência para grandes planos de beleza ininterrupta.

Prefiro acreditar que o público se emocione com a poesia que Cariry imprime de maneira indelével a uma história universal englobando o mito do filho pródigo, e a uma riqueza sem par que toma nossas retinas de assalto e dificilmente deixará livre quem se aventurar por esse drama nordestino de solidão, tradição e afeto. 


NOTA: A-

* Ausente:

  
A gente sente que começou o Festival do Rio de verdade ao assistir o primeiro filme gay da mostra e - adivinhem! - chegar a conslusão que ela irá competir pelo título de 'pior filme' da seleção. Esperava-se muito mais do segundo longa metragem de Marco Berger, que exibiu seu primeiro filme aqui no ano passado. Se não era uma obra-prima, 'Plano B' era uma estreia muito eficiente e divertida, muito ousada graficamente e intensa psicologicamente que esse novo, que levou o Teddy Awards do Festival de Berlim desse ano (dedicado a filmes com temática homossexual). 

A trama do filme novo mostra o adolescente Martin não medindo esforços para chamar a atenção de seu professor Sebastian, um homem fechado e pacato. Ao inventar uma série de mentiras para ser levado para a casa do mestre e lá passar a noite, Martin irá mexer na caixa de Pandora desse homem, que aos poucos se verá estranhamente envolvido pelo jovem. Mas quando o festival de mentiras do rapaz vir a tona e a reputação de Sebastian começar a balançar, será a senha para que notemos os reais desvios da personalidade de ambos.

Com uma atmosfera que muito erra no sentido de tentar transformar em thriller cenas-chave do filme, resta a essas situações ficar apenas muito bizarras, e acabar caindo na vala comum do humor involuntário. Conforme avança, cresce a pretensão e também a certeza de estar no caminho certo, fazendo o caldo desandar de vez. O final, com direito a pedido de perdão, chega a constranger e aí a gente se dá conta: é um filme da mostra gay do Festival do Rio! O que mais esperávamos?


NOTA: E+

* Michael:


A estreia na direção do diretor de 'casting' de Michael Haneke tem que ser vista, não acham? Pois Markus Schleinzer não decepciona e entrega um filme seco, cruel e estranhamente leve sobre o tema da moda: pedofilia. Com uma câmera que capta tanto a inocência do pequeno Wolfgang quanto a dissmulação do personagem título (um desempenho muito acertado de Michael Fuith, sem julgamentos), que interagem num dia a dia onde o tom é completamente pautado pelo bizarro. De aparência lavada e sem nenhuma sujeira técnica (o que só realça as evidentes qualidades do novo diretor, fugindo do que seria o mais usual), o filme só parece asséptico, já que não precisa manchar nada pra que vejamos as imundices saltadas aos olhos.

Michael e Wolfgang são, acima de tudo, amigos (acreditem se quiser!). Não se sabe por quanto tempo aquele situação perdura, e obviamente a criança odeia o pedófilo, mas por trás das obviedades, o diretor mostra vazar uma ligação onde existe uma espécie de respeito e obediência, de ambas as partes. Vivendo como um homem comum fora da casa-prisão que construiu, Michael é um profissional excelente que acaba de ganhar uma promoção, e com isso vai visitar a namorada em outro país. Esquia, transa com ela, almoça com amigos, ou seja, um homem comum... exceto por manter em casa uma criança por quem ele nutre o pior dos sentimentos, mas que o tempo fez o drama assentar.   

Capaz de causar espanto nos mais conservadores por sua abordagem digamos moderna de um tema que é só repúdio, nem diretor nem roteiro tratam de julgar uma história que por si só já é condenável até a raiz dos cabelos. Talvez isso tenha incitado Schleinzer a conduzir dessa forma, o que deve ter enchido o mestre Haneke de orgulho, e nós cinéfilos de apetite por esse novo cineasta cheio de vigor. O caminho escolhido, embora vá fazer gritar por onde passar, não poderia ter sido o mais acertado. 


NOTA: A- 

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